A crise financeira, a dificuldade para conseguir uma consulta médica, ou um internamento hospitalar pelo Sistema Único de Saúde e o misticismo que predomina no Cariri estão levando as pessoas de baixa renda a procurar alternativas populares para a cura de suas doenças. Uma das mais requisitadas curandeiras da região é Maria do Socorro Carvalho, 20 anos de idade, residente na rua São Miguel, 380, Juazeiro do Norte.
"Corrinha", como é tratada pelos seus consulentes recebe, em média, 20 pacientes por dia. Todos têm uma história de dor, sofrimento e doença para contar. Vestida de branco, com um crucifixo no pescoço, ela pega na mão do paciente, olha para o relógio, manda que a pessoa respire, enquanto anota num papel timbrado com o seu nome as doenças do paciente examinado. Numa mesa ao lado, a mãe de Corrinha, dona Maria das Graças, assessora a filha no receituário. Corrinha aperta na ponta do dedo do paciente e vai debulhando um rosário de doenças. A consulta termina com uma reza ou a indicação de alguns medicamentos. São, geralmente, remédios naturais que, segundo Corrinha, não têm efeitos colaterais. É uma receita "light".
Corrinha é uma versão popular de Maria Docarmo, conhecida por "Maria Dedim" que, segundo os seus clientes, advinha as doenças, pegando na ponta dos dedos das pessoas. Enquanto, Maria Dedim cobra R$ 50,00 por uma consulta, Maria do Socorro cobra apenas R$ 10,00, com uma alternativa. Se o cliente não quiser, ou não tiver o dinheiro, não paga. "A minha missão é fazer caridade". A caridade de Corrinha começa às 8 horas da manhã e vai até o final da tarde. Ela só suspende o atendimento para almoçar e rezar. O consultório funciona na sala da frente de sua modesta casa, na rua São Miguel, decorada com imagens do Padre Cícero, Nossa Senhora e um quadro de Santo Expedito, pintado por um de seus irmãos. Em uma das paredes, uma cartolina com o preço da consulta, R$ 10,00, com direito a revisão.
Os clientes se espalham na pequena sala e do lado de fora, esperando a sua vez. Todo dia, é a mesma coisa. Uma jovem também de branco, que faz parte de um grupo de jovens criado por Corrinha, faz a distribuição das fichas com as pessoas que serão atendidas.
INSS - Além do atendimento em sua residência, Corrinha atende a chamado para outras localidades. Na semana passada, ela montou o seu consultório no sítio Minguiriba, em cima da Serra do Araripe, onde receitou dezenas de pessoas que formaram fila no terreiro da casa esperando uma consulta. ''Parecia a fila do INSS'', compara o agricultor José Pedro Feitosa, que rodou mais de 20 quilômetros de bicicleta com a finalidade de se consultar com Maria do Socorro. Zé Pedro garante que ela adivinha todo tipo de doença. A dona da casa Aldenir da Silva não tem dúvida de que "Corrinha sabe mais do que muitos médicos". A afirmação é repetida pelos moradores da serra. As curas miraculosas de Corrinha e a sua capacidade de advinhar doenças se espalham de boa em boca. Ela recebe paciente de todas as cidades da região e até de Pernambuco. Apesar da grande movimentação, Corrinha é uma jovem pobre, de vida modesta, que vive exclusivamente, segundo afirmam os vizinhos, para fazer o bem. Ela já tem, inclusive um grupo de seguidores. Sete jovens integram uma espécie de confraria, cujo objetivo é exclusivamente rezar. A história de Corrinha é marcada pelo misticismo. Ela conta que, quando tinha 12 anos de idade, Nossa Senhora lhe apareceu e advertiu: você vai passar por dificuldades durante seis anos. A partir daí, Maria do Socorro não teve sossego. Adoeceu, andou por todos os hospitais do Cariri. Os médicos não descobriram a sua doença. Ela sentia asfixia e chegou a botar sangue pela boca. ''Foram seis anos de sofrimento'', lembra dona Maria das Graças, acrescentando que Corrinha só apresentou melhora, quando completou 18 anos. Nossa Senhora reapareceu e orientou a seguinte penitência: rezar três rosários por dia, de manhã, ao meio-dia e à noite, vestir roupa branca ou azul e fazer caridade.
A princípio, Maria do Socorro relutou em cumprir a penitência. A família não acreditava nas aparições. Preocupada com o estado de saúde da filha, dona Maria das Graças procurou Frei Damião e pediu um conselho. O frade, segundo dona Maria das Graças, recomendou que Corrinha seguisse os conselhos de Nossa Senhora. Dias depois, começaram a aparecer os primeiros clientes em sua porta, pedindo consultas. Ela diz que, quando toca no corpo do paciente, o vê por dentro. É como se fosse uma radiografia, compara. Ela garante que vê o sangue correndo nas artérias.
FENÔMENO - Para o padre Raimundo Elias, autor do livro "Mistérios do aquém e do além" trata-se de um fenômeno chamado de Cumberlandismo. A pessoa pode captar as reações de outra e fazer observações sobre o seu estado fisiológico, o seu caráter, suas tendências, seu passado clínico ou seu futuro, além de todas aquelas coisas que já estão se processando no seu organismo. Sem se referir diretamente ao caso de Maria do Socorro, padre Elias diz que os reflexos que o pensamento produz no corpo de uma pessoa podem ser sentidos por outra, havendo um contato corporal. Por este meio, pode se conhecer o pensamento de outra pessoa. Porém, isso não quer dizer absolutamente que todos os sinais que permitem a advinhação sejam transmitidos apenas por contato.
Padre Elias lembra, entretanto, que o curandeiro passa sempre uma imagem de bondade e santidade aos seus clientes. Nunca cobra pelo seu trabalho, porém aceita doações. Por outro lado, as pessoas que se dizem curadas são geralmente aquelas debilitadas por doenças, cansadas de ir e vir a tantos médicos. E, por isso mesmo, estão predispostas a acreditar no poder do curandeiro. Esta confiança é fundamental para o processo de cura. Quanto a eventual aparição de Nossa Senhora, padre Elias esclarece que definitivamente não há aparições. O que há, na verdade, segundo o religioso, são visões e projeções endógenas, isto é, de dentro para fora da pessoa.
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